E deixa que digam,
Que pensem, que falem”
(Língua, de Caetano Veloso)
Diversas vezes subi a escada do modesto prédio na Avenida Paulo VI, em frente à Praça Alfred Nobel, no bairro da Pituba, onde o professor Cid Teixeira mantinha sua biblioteca – um acervo de 18 mil itens, entre livros, documentos, jornais e revistas, acomodados em estantes de aço distribuídas pelos cômodos de um amplo apartamento de quatro quartos. Ia em busca de informações para alguma reportagem, geralmente sobre história da música ou sobre algum aspecto da história e da cultura baianas, e nunca voltei de mãos vazias.
Sentado atrás de uma mesa quase que inteiramente ocupada por pilhas de livros, o mestre discorria com riqueza de detalhes sobre o assunto requerido, levantando-se de vez em quando para pegar um ou outro volume nas estantes – quase nunca para consultar: na maioria das vezes somente para ratificar o que acabara de dizer, recorrendo apenas a sua memória prodigiosa.
Cid morreu em 21 de dezembro de 2021, aos 96 anos – nasceu na Ilha de Maré, em 11 de novembro de 1924. Somente agora, quase três anos após sua morte, os familiares decidiram desfazer-se da biblioteca do mestre, já que nenhum dos seus descendentes seguiu a trilha profissional aberta por ele. Estabeleceram um valor quase simbólico para a venda: apenas R$ 100 mil. Uma bagatela! Foi fixado um valor baixo para facilitar a aquisição por alguma instituição pública ou privada da Bahia, explicaram.
Nos últimos meses, o acervo foi visitado por representantes de várias instituições públicas e empresas privadas, mas nada foi fechado. Manifestaram interesse na aquisição a biblioteca do Senado e a Universidade de São Paulo (USP), mas a negociação não andou, pois ainda prevalecia a ideia de manter o acervo na Bahia.
A Fundação Pedro Calmon, entidade ligada à Secretaria da Cultura do Estado e responsável pela gestão das bibliotecas públicas estaduais, também demonstrou interesse, mas ficou só no interesse. Não por falta de verba, já que o valor pedido pelo acervo reunido pelo mestre Cid ao longo de décadas de dedicação à cultura baiana deve ser inferior ao gasto pelo governo estadual para construir uma pista de skate no antigo Palacete das Artes, agora denominado Museu de Arte Contemporânea da Bahia. Um assombro e uma chiqueza!
Os santos e orixás que protegem a cultura baiana, no entanto, se movimentaram e é quase certo que a biblioteca do mestre ficará em Salvador. Está praticamente combinado que o acervo será adquirido pela prefeitura da capital.
A maior parte dele – os documentos, livros e outras publicações relativas à História da Bahia – será incorporada ao Arquivo Municipal, onde será criada uma biblioteca pública que terá o nome de Cid Teixeira. Já a pequena parte representada por livros de literatura e outros assuntos será distribuída entre as bibliotecas públicas da cidade.
Viva! Muitos vivas! A cultura baiana agradece!