
O Carnaval, reconhecido nesta terça (4) como o maior do mundo, tem se consolidado como um espaço de exaltação e protesto para o povo negro. Nos últimos anos, os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo têm trazido para a avenida temas que abordam a teologia, a espiritualidade e o racismo, construindo narrativas que resgatam histórias silenciadas e dão voz às lutas ancestrais.
Não muito diferente, na Bahia essa luta começou ainda dentro dos terreiros de candomblé com as batidas e o axé do Ilê Ayê, do Oludum, do Muzenza, do Cortejo Afro que sempre levam para avenida a grandeza do protagonismo negro na história.

“O Carnaval do Rio e de São Paulo, como vem sendo ultimamente, canta a Teologia, a espiritualidade, o preconceito, o racismo como forma de protesto e de cultura. É a religiosidade na passarela”, destacou Frei Jorge Rocha ao Acorda Cidade.
Segundo o Frei, que é teólogo, isso é muito interessante, sobretudo porque revela a importância de mostrar a realidade do cotidiano das pessoas, suas vivências e lutas dentro da sociedade.
“Às vezes precisamos ter um olhar também de um cientista da religião, não necessariamente um teólogo, mas observar o fenômeno religioso que está acontecendo em nosso meio. Este fenômeno, ele para mim diz muitas coisas, inclusive, uma regionalidade quase que sempre revela a nossa baianidade, personagens baianas que são elevadas aos palcos, nas passarelas do samba”.

Para o Frei Jorge, a representação da religiosidade negra na Sapucaí é um ato que vai além da cultura: é também um ato de resistência quando a Estação Primeira de Mangueira leva para avenida um enredo que exalta “À Flor da Terra, no Rio da Negritude entre Dores e Paixões”. Uma homenagem ao povo banto, originário de Angola, e as suas influências na cultura e sociedade do Rio de Janeiro.
Ou quando a Viradouro abre espaço para contar a história de Malunguinho, divindade da Jurema Sagrada e a Paraíso do Tuiuti chega questionando a sociedade para dizer “Quem tem medo de Xica Manicongo?”.

Na Bahia, o primeiro bloco afro do Brasil celebra 50 anos de tradição levando para a rua “Kenya: Berço da Humanidade”. O samba, as batidas, os tambores eles ultrapassam a sonoridade, são verdadeiras aulas da cultura afro-brasileira. É totalmente forte, político e representativo se ver e ouvir na maior festa do país com viés de exaltação, beleza e verdade.
“A primeira coisa é que revela que o ser humano é um ser religioso. A religiosidade é da natureza do ser humano. Mas, por outro lado, este gesto é um gesto também de grito, de protesto, sobretudo contra o racismo religioso que, de modo especial, sai sempre em relação aos nossos irmãos negros. É o racismo religioso em que demoniza a religião do outro. Isso não é legal, isso não é cristão, isso não é do ser humano”, explicou o Frei.
O racismo religioso, que demoniza religiões de matriz africana, tem sido combatido na avenida com enredos que exaltam orixás, terreiros e figuras históricas do candomblé e da umbanda.

“Devemos conservar essas semelhanças e refletir essas diferenças. E pensarmos assim, que tipo de ser humano nós estamos produzindo e que tipo de ser humano nós estamos deixando para os nossos filhos, afilhados, os nossos netos e sobrinhos netos”, questionou.
Além da luta contra o racismo religioso, Frei Jorge também reforçou a importância de tornar visível a cultura negra e sua espiritualidade nos desfiles. São conteúdos educacionais sobre o passado, o legado e a contemporaneidade afro-brasielira que tomam conta das avenidas.
“Revela também, de uma certa maneira, um ato sócio-religioso de tirar da invisibilidade social e da marginalidade esse tipo de religião, de comportamento e, por conseguinte, estas pessoas. Este conteúdo cai nos Enem, nos Enades da vida. É um conteúdo que precisa ser visto como científico, precisa ser abordado na academia”.
Com o samba, o povo negro resgata suas histórias, reforça sua identidade e reivindica espaço. A avenida se torna palco de memórias, resistência e celebração. Como bem sintetiza Frei Jorge Rocha: “Com racismo não tem folia. Com racismo não tem alegria. Com racismo não tem convivência humano cristão. A Sapucaí e os lugares carnavalescos estão levando para esses palcos a religiosidade, a reflexão e também a cultura e a religião”, completou.
O Carnaval, além de festa, é também luta. E a cada batida do tambor, a negritude reafirma sua força, sua fé e sua história.
Viva o Carnaval!
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